por Adriano Freitas
pós graduando em Neuroaprendizagem
Poucas pessoas sabem, mas na verdade o processo de aprendizagem efetivo se dá enquanto dormimos. Mas como? Muitos devem estar se perguntando. Falando de um modo geral, o ser humano possui três tipos de memória: a de curto prazo, aquela usada para armazenar informações que serão utilizadas em um curto período de tempo e depois descartadas (como por exemplo, números que olhamos em um papel e usaremos para realizar uma chamada telefônica), a de médio prazo (aquelas informações captadas e entendidas em uma palestra ou aula), e a de longo prazo (as que dificilmente esquecemos, como o caminho até nossa casa, ler, escrever, etc.).
O que ocorre é que todas as informações que assimilamos durante o dia são na verdade armazenadas nas memórias de médio ou curto prazo. A neurociência considera que ocorre o aprendizado quando tais informações são consolidadas na memória de longo prazo. Essa transferência do que está nas memórias de mais curto prazo para a de longo prazo acontece principalmente durante uma fase de nosso sono, chamada de fase REM.
Quando dormimos, passamos por diversas fases, cada uma com uma função específica (reposição de energia, consolidação de memórias, etc.). Ao chegar à fase REM (ou pelo menos principalmente nela), tudo que está nas memórias temporárias é então “passado a limpo” na memória de longo prazo. Tudo perfeito se não fosse por um detalhe: Nem tudo é considerado importante o suficiente para ser registrado em definitivo na memória de longo prazo, sendo descartado. Neste ponto está um dos muitos problemas relacionados à falta de eficiência no processo de aprendizagem.
Muitos já presenciaram aqueles alunos que estudam na véspera de uma prova ou até momentos antes, que fica repetindo o conteúdo a ser memorizado, numa preocupação em não esquecer. Se alguém conversa com ele, esquece coisas que acabou de estudar ou então logo após a prova pouco se lembra do que leu ou entendeu. Isto ocorre porque esses alunos estão utilizando as memórias de curto e/ou médio prazo. Elas são rápidas na assimilação, porém com capacidade limitada. Se a atenção é desviada ou outras informações chegam a elas, começam um processo de descarte para que tenham espaço para as novas informações.
Se a intenção é realmente aprender algo de forma mais efetiva, uma primeira dica seria não estudar apenas no dia da realização da prova. É preferível estudar menos tempo, mas mais dias do que o contrário. São diversos os critérios utilizados por nosso cérebro para selecionar o que será registrado na memória de longo prazo quando dormirmos. Um primeiro critério é emocional, ou seja, o quanto estamos envolvidos com as informações. Se tivermos informações que foram lidas ou assimiladas sem que haja um envolvimento emocional (tanto positivo quanto negativo), elas terão poucas chances de serem consideradas importantes. Na prática é ame ou odeie... Outro critério é a aplicabilidade, isto é, se as informações foram bem utilizadas. Se lemos ou ouvimos algo e não fazemos nada com que utilize tais informações, as mesmas não possuirão tanta relevância para o cérebro. Já se assimilamos algo e logo em seguida realizamos alguma atividade com tal conhecimento, o cérebro considera que por terem sido usadas depois de assimiladas tais informações possuem certo grau de importância. Por isso são menos eficazes aulas teóricas que não são acompanhadas de atividades para que o cérebro imediatamente trabalhe as informações. Outro fator que interfere na seleção é o fato de serem ou não as memórias mais recentes. Neste ponto, os alunos de cursos noturnos possuem uma vantagem. Captam informações e antes que sejam substituídas por outras informações existe o sono e a consolidação é feita. Diferente dos alunos do período da manhã, pois os mesmos assimilarão conteúdos cedo e depois vão jogar videogame, navegar na internet, e fazer outras atividades que inundarão o cérebro de novas informações, o que fará com que as informações que realmente deveriam ser selecionadas fiquem meio que “esquecidas” dentre tantas outras emocionalmente mais atrativas ou com maior aplicabilidade. Uma dica útil é sempre rever os conteúdos alvo dos estudos antes de dormir. Isso “reavivará” tais memórias e dará a elas maiores chances de se tornarem um aprendizado de fato.
Obviamente que são muitos os problemas que podem afetar o aprendizado. Uma parte deles são distúrbios do sono. Pessoas com alguma dificuldade de fundo fisiológico, patológico, comportamental, etc. que tenham dificuldade de ter um sono dentro dos padrões de normalidade, certamente poderão apresentar problemas com respeito ao aprendizado, principalmente se a fase REM do sono não for alcançada ou for interrompida. Importante aqui ressaltar que o sono é composto de diversas fases que se alternam várias vezes durante uma noite. Assim, passamos por todas as fases do sono mais de uma vez a cada vez que dormimos. Diversos são os problemas que interferem nessa rotina do sono: apneia noturna, ronco (algumas pessoas são acordadas pelo próprio ronco), etc. Hoje existe um exame chamado Polissonografia capaz de identificar anormalidades durante nosso sono, entretanto, para que tenha uma eficácia maior, um estudo completo deve ser feito, com a repetição durante várias noites, visto que se feito apenas uma vez, pode gerar resultados mascarados por situações atípicas para o paciente (ele estará em um novo ambiente, com novos hábitos, etc.).
Outros fatores interferem no sono, apesar de serem vistos pelas pessoas como irrelevantes. O nosso corpo é preparado para dormir através da identificação visual da noite. Quando o sol se põe e a escuridão é identificada, substâncias são produzidas ou inibidas para aumentar nosso estado de relaxamento e propiciar um bom sono. Com a vida moderna e a inserção em nosso dia a dia de luzes artificiais e outros aparelhos emissores de claridade, esse processo pode ser tornar menos eficaz e fazer com que certas pessoas tenham maior dificuldade para iniciar o sono. Assim, uma boa prática é ao chegar algo em torno de duas horas próximo ao momento de dormir, reduzir a luminosidade dos cômodos da casa, evitar a utilização de computador, celular ou outro dispositivo emissor de luz, etc. Outra dica importante é quanto ao uso de rádio ou televisão, que muitas vezes permanecem ligados após dormirmos. Apesar de parecer não fazer efeito algum, até nos ajudar, dão mais trabalho a nosso cérebro, que além de se concentrar em sua tarefa de manutenção das memórias, é “confundido” com as novas informações que chegam pelos canais auditivos. Quem já não lembrou ao acordar de coisas que foram ditas quando estavam em uma sonolência? Isso pode ocorrer porque o cérebro interpreta alguma informação percebida como sendo relevante do ponto de vista emocional, usual ou relacionada à outra e aí pode descartar algo que realmente nos teria sido mais útil em detrimento a algo “ouvido” durante a noite.
Enfim, são muitas as questões que envolvem o processo de aprendizagem. Também são muitos os problemas que podem afetá-lo. Neste artigo, me detive em fatos estudados e já comprovados pela neurociência com relação ao sono que muitas pessoas sequer imaginam que existam. Espero que essas informações ajudem a promover um melhor entendimento de nosso cérebro.
Adriano Freitas
Profissional de Informática
(Tecnologia da Informação, TI) e
Neurociência aplicada à Educação
Nova Friburgo, RJ / Rio das Ostras, RJ
Barra de São João, RJ